Arquivo renovado - Metal extremo é poesia!

Originalmente essa postagem era do Guilherme e se prestava a mostrar o lado lírico do metal extremo de forma bem direta. O texto, quase integral, era esse:

Não é de hoje que o metal vêm se inspirando na literatura. Temos várias bandas clássicas do estilo cantando especificamente sobre livros consagrados da nossa literatura. Não tem exemplo melhor que o Iron Maiden com Murders In The Rue Morgue, inspirado no conto de Edgar Allan Poe que leva o mesmo nome.

Mas as pessoas costumam achar que a mistura de metal e literatura se restringe apenas ao
Heavy, Power ou no máximo ao Gothic Metal. Mas isso é um grande engano, pois, o metal extremo pode ser facilmente relacionado com escolas literárias diversas. E isso vai até os confins do metal, inclusive aqueles subgêneros com as temáticas que muitos podem achar totalmente inusitados na poesia. Desde o típico “gore” do Death, até o controverso satanismo presente no Black Metal, passando pelo desapego à vida e a depressão extrema e suicida do Depressive Black e do Doom Metal.
O que proponho agora com o restante do post é fazer uma relação entre os gêneros de metal citados, com alguns autores ou escolas literárias, usando de exemplos para fundamentar esta minha tese.

Death Metal


Neste estilo se tem como marca principal nas letras o fascínio pelo nojento, escatológico, grotesco, o chamado “gore”. Músicas onde se fala de extrema violência, assassinatos viscerais, podridão e vermes.

E na poesia temos um grande representante desta linha grotesca de se escrever, o nosso grande gênio, conhecido como Poeta dos vermes ou Poeta maldito: Augusto dos Anjos.


“… Verme — é o seu nome obscuro de batismo…
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!”

(Augusto dos Anjos – O Deus Verme)

Bloodbath. Foto: Divulgação.


Bem, está claro que Augusto era de fato um poeta muito gore, falando sempre de decomposição, vermes e morte. Mas ele não para por aí. Assim como na música “Eaten” do Bloodbath, que fala de um homem que deseja ser morto, o poeta maldito diz o mesmo em um poema:


“Já o verme – este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!” 


Mas se enganam aqueles que pensam que Augusto era uma exceção entre os poetas, ao falar da morte daquela maneira. Temos alguns poetas conhecidos como Vinicius de Moraes (sim, este Vinicius que fez várias músicas com Tom Jobim) que em alguns poemas resolve ser bem grotesco. Como no que deixo a baixo:


“…Cadáveres necrosados
Amontoados no chão
Esquálidos enlaçados
Em beijos estupefatos…
Cadáveres fluorescentes
Desenraizados do pó
Que emoção não dá-me o ver-vos
Em vosso êxtase sem nervos
Em vossa prece tão-só
Grandes, góticos cadáveres!
Ah, doces mortos atônitos…”


Black Metal

O gênero mais controverso do metal, e talvez, de toda a música. Não raramente é relacionado a casos de assassinatos e outros crimes, como o famoso caso envolvendo Varg Vikernes. Nas letras, costuma abordar o paganismo, anticristianismo, guerra, entre outros. Mas a temática em maior destaque entre as bandas do estilo é o satanismo, em suas diversas maneiras e vertentes. Incluindo letras simplesmente sombrias ou carregadas de magias negras.

Na literatura é difícil de achar exemplos de escritores consagrados que abordem aberta e claramente estes temas líricos citados. Mas no movimento do ultrarromantismo, encontramos alguns exemplos de todo esse mistério, essa atmosfera obscura e sombria. Temos por exemplo o precursor do romantismo Goethe, que escreveu o livro “Fausto”, que conta a história de um doutor que vende a alma a Mefistófeles em troca de vantagens carnais durante toda a vida. Outros literários desta escola como Lord Byron e o nosso brasileiro Álvares de Azevedo, sabe-se que eram de alguma forma, adoradores de satã. O próprio  Álvares tem alguns casos conhecidos pelos especialistas sobre rituais no cemitério da consolação em São Paulo, regados a muitas drogas.


Alguns exemplos:


Satan: Estás ébrio? Cambaleias.
Macário: Onde me levas?
Satan: A uma orgia. Vais ler uma página da vida cheia de sangue e de vinho-que importa?”

(Início do livro Noite na Taverna de Álvares)

O famigerado livro, que é controverso até hoje.

Fora do Romantismo, temos Cruz e Sousa, poeta simbolista brasileiro que tem algumas passagens misteriosas que lembram o oculto. Mas como tudo no Simbolismo, é de difícil compreensão afinal.

“Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…” 


Temos também, do Cruz e Sousa:


“Satã
Capro e revel, com os fabulosos cornos
Na fronte real de rei dos reis vetustos,
Com bizarros e lúbricos contornos,
Ei-lo Satã entre os Satãs augustos.
Por verdes e por báquicos adornos
Vai cr’oado de pâmpanos venustos,
o deus pagão dos Vinhos acres, mornos,
Deus triunfador dos triunfadores justos.
Arcangélico e audaz, nos sóis radiantes,
À púrpura das glórias flamejantes,
Alarga as asas de relevos bravos…
O Sonho agita-lhe a imortal cabeça…
E solta aos sóis e estranha e ondeada e espessa
Canta-lhe a juba dos cabelos flavos!”

(Broqueis & Faróis. Cruz e Souza. Ed Martin Claret. pag 45)

Doom e Depressive Black Metal

 
Estes dois gêneros acabaram sendo colocados juntos, pois ambos costumam trazer a depressão extrema e o suicídio nas temáticas de suas letras. É verdade que cada um aborda isso de maneira diferente, mas na poesia também, essas são temáticas pensadas por muitas vezes e vista por muitos ângulos.

Na literatura, o desapego à vida, o desespero, angústia, depressão, e o escapismo na morte pode ser encontrado aos montes! Mas novamente é no movimento ultrarromântico que isso se faz mais presente, uma vez que essa escola é marcada por inúmeros suicídios. Goethe mais uma vez é um exemplo perfeito, pois no seu livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (livro este, responsável por consolidar essa escola literária) vemos um homem que, desiludido com a vida e com seu amor não correspondido, fica neurótico até não aguentar mais e dar um tiro na própria cabeça, agonizando por horas até enfim morrer. O desfecho deste romance de Goethe acabou causando vários suicídios de jovens que se identificavam com a história, e o livro chegou a ser censurado em muitos países por ter ficado conhecido como “O livro do diabo” que trazia morte para quem o lia.


Fora do romantismo temos outros inúmeros casos. Como o do escritor Raul Pompéia, que, apesar de não ter um tom depressivo tão marcante em sua obra, ele acabou se matando na casa de sua mãe em uma noite de natal. Entre outros inúmeros casos.


Nattramn, do Silencer, representando o sofrimento típico no DSBM.

Alguns exemplos da literatura marcada com essa temática:

“… Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente…”

(Vinicius de Moraes)

“Junto da Morte é que floresce a Vida! Andamos rindo junto à sepultura. A boca aberta, escancarada, escura Da cova é como flor apodrecida.”
(Cruz e Sousa)

“Poetas! amanhã ao meu cadáver
Minha tripa cortai mais sonorosa!…
Façam dela uma corda e cantem nela
Os amores da vida esperançosa!…”

(Álvares de Azevedo)

Bem, obrigado por lerem o post e espero que gostem. Deixo, só para finalizar, um poema do infame Augusto dos Anjos, que demonstra um verdadeiro ódio por toda a raça humana. Coisa que, acredito eu, ser muito presente em inúmeras bandas de metal.


“Homem, carne sem luz, criatura cega,
Realidade geográfica infeliz,
O Universo calado te renega
E a tua própria boca te maldiz!…”

Mas o tempo passou, as vertentes extremas do metal se expandiram e temos alguns comentários pertinentes ao assunto. O Avant-Garde Black Metal e o Post-Black Metal tem ganhado muito destaque no último quinquênio, garantindo festivais próprios no submundo europeu e levantando uma legião de fãs espalhados pelo mundo.

Suas letras, em especial, flertam muito bem com o clássico e o romântico, revelando de forma naturalista as dificuldades e as realidades das mais variadas relações humanas. O enfrentamento da morte, que no DSBM é predominantemente encarado de forma idealizada, já recebe uma nova roupagem nesses estilos. A dúvida, noções espirituais e cósmicas se fundem numa nova mecânica de construções líricas, um modelo que bebe de várias fontes, mas não se prende a nenhuma.

A introdução de línguas latinas também é um ponto interessante nessa questão. Onde o Black Metal era predominantemente nórdico ou versado em inglês, o francês e o italiano tem ganhado cada vez mais destaque. Letras, ou ao menos trechos, em latim também representam a literatura clássica, apesar dos versos geralmente curtos ou em forma de prosa.

O Sludge é o único gênero extremo que não parece ter esse apelo lírico tão forte. Suas letras são importantes, indissociáveis do instrumental e, na maioria dos casos, parte integrante deles, mas não de forma poética, nem mesmo nas bandas mais atmosféricas.

De certa forma, caminhamos para um ponto onde a música e a literatura poderão ser muito próximas, basta somente que tenhamos mentes criativas e com bagagem suficiente para criar as ligações certas e compor as futuras obras primas que desejamos ouvir.

Por Alexandre Romansine
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