Depressão, música e arte

Pedro sempre foi um rapaz inquieto, isolado e de poucos amigos. Mal saía de casa, e quando saía não demorava em retornar ao lar. Não gostava de filmes, pois os enredos eram desinteressantes, os apelos eram fracos e as atuações, inexpressivas. Também não gostava de livros, pois as ideias não tinham uma sequência lógica, haviam erros em tantos pontos que ele não podia suportar a leitura. Ninguém sabia, mas Pedro fazia parte de um submundo de pessoas esquecidas, abandonadas ou simplesmente incompreendidas.

Pedro era um rapaz doente, afetado muito cedo pela depressão. Pedro acabou por morar sozinho. Pedro acabou sozinho, morreu assim, em seu quarto. Suicídio.


Pedro é um personagem fictício que pode ser substituído por qualquer pessoa - até mesmo os membros de sua banda favorita. A depressão é uma doença que afeta o ser humano em seu sentido primordial: as interações bioquímicas essenciais ao funcionamento do corpo. Agindo no cérebro, a doença provoca alterações no comportamento dos neurônios, causando apatia, falta de interesse e distimia, que juntas provocam o afastamento gradual do doente, seja de sua família, amigos, ou de ajuda, de uma possível melhora em seu estado.

Em casos extremos, o quadro patológico leva ao suicídio. Na música, há vários exemplos: Layne Stanley, Per Yngve Ohlin (Dead) e Nattdal são nomes que fatalmente vêm a mente quando chegamos nesse assunto. Nattdal, guitarrista do Lifelover, sofria de Transtorno de Ansiedade Generalizada desde a adolescência, o que motivou seu estilo de vida, as composições da banda e encaminhou-se para sua morte. Kurt Cobain é o nome mais famoso por traz de desastres na música, acompanhado recentemente por Fausto Fanti.

Fora do mundo da música, Santos Dumont, J. K. Rowling e Robins Williams são figuras marcantes na espiral descendente do distúrbio, que tem seu "lado positivo" evidenciado na figura de Hideaki Anno, diretor do anime Neon Genesis Evangelion. O histórico patológico de Hideaki garantiu uma abordagem mais profunda nas relações humanas e na filosofia da obra, mostrando que a superação é mais do que uma cura para a doença, é uma lição aprendida.

Shinji, protagonista de Evangelion.

De volta ao espectro musical, vários gêneros musicais tem sido rotulados como 'depressivos'. Temos desde estilos mórbidos, introspectivos e downtempo como o Funeral Doom Metal e Trip-hop até gêneros que abusam da agressividade e do exagero lírico, como o Depressive Black Metal. Mas os registros de uma mente perturbada não ocorrem somente com uma sonoridade densa e profunda, e um ótimo exemplo disso é a canção Bullet, do Hollywood Undead, que carrega um pessimismo cruel e cíclico dentro de uma atmosfera quase alegre do Pop-Punk. A cantora Soko também exibe altas doses de melancolia em suas músicas, como por exemplo a tensão de baixa autoestima, em Shitty Day.

Apesar dos exemplos, é acertado dizer que esses músicos não tem um histórico depressivo, mas podem muito bem terem sido marcados por momentos tristes em suas vidas, o que é somente um dos motivos para as letras e melodias de decadência. Por outro lado, quando olhamos para os estilos extremos do Heavy Metal, a melancolia toma o lugar da tristeza e a morte exerce sua influência com maior notoriedade. Músicas como a Swallowed By the Moon, do Novembers Doom ou Undertow, da sueca Pain of Salvation são retratos de experiências pessoais gravadas como uma saída de escape, um modo de liberar o sentimento preso em mentes estraçalhadas pela dor.

Aprofundando-se mais e mais nesse círculo de sentimentos controversos, o DSBM é o ápice da doença em forma musical. A sonoridade é variada, mas todas as faixas nos trazem uma sensação perturbadora, claustrofóbica e quase apocalíptica. A audição de discos e coletâneas do gênero afastam os psicologicamente despreparados do show de horror exibido. Nomes como Silencer, Lifelover e Je retratam a depressão em sua forma mais sombria e, por que não, bela.

Nattdal

Mas a influência no mundo da música não para por aí. Rappers como Eminem e Akon já tiveram seus momentos de profunda tristeza e lançaram seus hinos à solidão, sendo que a Cleaning Out My Closet criou toda uma fama por trás da letra. A influência vai se diluindo em estilos como o Darkcore e Doomcore, mas está sempre presente em algum ponto. O lugar comum da maior parte dos gêneros é a tristeza e, realmente, a depressão não é caracterizada como um estado de tristeza profunda e imutável, mas sim como a falta de reação à estímulos externos e internos. O corpo da pessoa deixa de reagir à estímulos sensitivos e ela não apresenta interesse em algum tipo de socialização, não há motivos para seguir a vida, essa é a caracterização básica de um estado avançado da doença.

A dificuldade em reconhecer, prevenir e tratar a patologia é justamente o avanço da mesma. A mudança não ocorre do dia para a noite e não aparecem de forma linear, constantes melhoras e pioras são observadas ao longo do tempo, sempre levando o doente a um estado mais passivo e intimista. Períodos de solidão são intercalados por momentos felizes, de extrospecção além do normal e levam os parentes e amigos próximos a se iludirem quanto à real situação. Quando se dão conta, a dificuldade entra na forma de lidar com o problema, já que normalmente não estamos preparados tratar disso e o senso comum tem a função de atrapalhar o processo. Um depressivo não escolhe ser assim, ele está assim por um descontrole bioquímico que afeta sua mente consciente e seu corpo. O tratamento pode ou não envolver drogas químicas, mas a parte que deve receber mais importância é a empatia das pessoas próximas. Casos clínicos demonstram que pacientes que recebem mais atenção de familiares e amigos tem uma chance maior de expor o problema e se conscientizar da situação, facilitando a abordagem para os médicos seguirem com o tratamento.

Pintura de Alexandre-Gabriel Decamps.

Concluímos, então, que a depressão não tem exatamente uma cura, mas o doente pode ser tratado até atingir um estágio de bem-estar onde os sintomas patológicos não são mais observados. Recaídas acontecem em pelo menos 50% dos casos, tornando o estado depressivo um estigma social que, não sendo tratado de forma correta, pode ser pior que a primeira incursão da patologia. Infelizmente estamos muito longe de uma sociedade consciente, onde os problemas são enfrentados com uma abordagem mais direta e não baseada em conceitos definidos por um senso comum um tanto quanto estúpido. Enquanto não atingimos esse ideal vamos tentando conseguir um pouco de consciencialização sobre esse assunto.

EDIT:

Encontrei um vídeo que sintetiza muito bem o texto, fazendo uma analogia entre a doença e um grande cachorro preto. A arte visual tem um apelo muito interessante e que nos deixa mais próximos de compreender a depressão e suas consequências. Segue o vídeo abaixo, legendado:



Por Alexandre Romansine
Depressão, música e arte Depressão, música e arte Reviewed by Alexandre on 10:56 Rating: 5

Um comentário

  1. grande texto xande :P
    parabéns!

    ps: vc ta depressivo? hahahah
    brincadeira

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