Análise: O Iluminado + Hotel California

O Iluminado, ou The Shining, no original, é um livro de Stephen King publicado em 1977. A história conta com quatro personagens principais: Danny, um garoto de cinco anos com certas habilidades psíquicas que permitem seu contato com o etéreo, Wendy, sua mãe e Jack, seu pai ex-alcoólatra que tem desvios de comportamento, em especial a agressão, compõem a família núcleo da narrativa. O quarto personagem é o Hotel Overlook, um hotel construído no início dos anos 1910 em meio as montanhas no Colorado. Com décadas de história, o prédio de quatro andares foi local de muitas histórias e acontecimentos importantes, nem todos agradáveis. Ao longo de pouco mais de 200 páginas de narrativa, somos apresentados ao convívio desses quatro integrantes durante o inverno local, que isola o hotel e seus residentes do resto do mundo por largas e sólidas barreiras de neve. Como é de se esperar, o balneário possui uma personalidade própria e se aproveita da fraca mente de Jack para exercer sua influência.



Apesar de tudo, isso é um blog de música e até agora só falei de um livro de qualidade duvidosa, então vamos ao outro ponto importante do texto: Eagles é uma banda estadunidense da década de 1970 e tem sua fama atribuída especialmente à canção Hotel California, lançada no álbum homônimo em 1976. Além das datas muito próximas, essas duas obras parecem possuir uma sinergia muito forte. Ambas contam histórias de um hotel amaldiçoado, de certa forma, com personagens literalmente aprisionadas em uma espiral de medo e psicose.


Partindo pra análise propriamente dita, vamos relacionar trechos da música aos acontecimentos do livro:

"On a dark desert highway, cool wind in my hair
Warm smell of colitas, rising up through the air
Up ahead in the distance, I saw a shimmering light
My head grew heavy and my sight grew dim
I had to stop for the night
"

Na primeira parte do livro, somos apresentados ao passado de Jack, seu histórico de alcoolismo e, em especial, a um acontecimento que o fez parar de beber. Após uma noite de bebedeira, ele e seu amigo Al voltavam para casa em alta velocidade quando, numa curva, atropelam uma bicicleta de criança. Nenhum corpo foi encontrado e não ouve danos maiores, mas a partir daquela noite Jack "teve que parar para passar a noite".

"And I was thinking to myself
This could be heaven or this could be hell
"

Logo no começo do livro, quando acontece a entrevista no hotel Overlook, Jack faz uma comparação mental bem próxima disso. A quietude, tranquilidade e o salário para se passar uma temporada ali como caseiro são o paraíso perto de sua situação atual, mas o isolamento, a falta de contato com o mundo e um compromisso de apenas seis meses poderiam se tornar o inferno.

"Her mind is tiffany-twisted, she got the Mercedes-Benz
She got a lot of pretty, pretty boys, that she calls friends
How they dance in the courtyard, sweet summer sweat
Some dance to remember, some dance to forget
"

Excetuando-se a mudança de uma Mercedes para um Porsche, o trecho nos remete diretamente para uma história contada por Watson, zelador de veraneio do hotel. Numa conversa com Jack ele cita o caso de uma senhora de certa idade, que passava temporadas variadas com rapazes jovens no hotel. Após ser abandonada por um deles (e perder seu carro), a senhora comete suicídio dentro do próprio quarto, com uma overdose de barbitúricos. No livro, trata-se do primeiro indício de que há algo errado com a história do Overlook.

"So I called up the captain
'Please, bring me my wine'
He said: 'We haven't had that spirit here since nineteen sixty-nine'"

Avançando muito na história e abusando de spoils, a rotina do trabalho de inverno no hotel afeta diretamente a saúde mental de Jack. Inicialmente tratadas como visões, as influências maléficas da pousada se intensificam ao ponto de criarem uma forma física e, nesse ponto, nosso ex-alcoólatra volta a beber. O "capitão" pode ser facilmente retratado pelo barman amigo e as variadas garrafas do bar tornam-se seu "vinho".

"And she said: 'We are all just prisoners here, of our own device'
(...)
The stab it with their steely knives
But they just can't kill the beast"

Em dado momento da narrativa, Danny se dá conta da encrenca em que sua família se meteu. Os espíritos do hotel realmente estão ali aprisionados por sua vontade, de certa forma, eles não superaram o momento da morte e concentram suas forças em espalhar e demonstrar o ódio que sentem de todas as formas possíveis, atingindo os clientes do hotel e hóspedes mais sensíveis à influências psicológicas.

"I had to find the passage back
To the place I was before
'Relax', said the night man

'We are programmed to receive
You can check out any time you like
But you can never leave!
'"

É praticamente a voz do Overlook em seus momentos finais. Possessivo, poderoso e um tanto infantil. A "legião" que domina o local faz com que ele tenha essa personalidade, exibindo-a de forma insistente durante o final da narrativa.

Obviamente as duas obras não tem uma relação intrínseca, foram compostas e publicadas praticamente ao mesmo tempo, com um pano de fundo bastante similar e se expressando de uma forma comum. O interessante aqui é a relação facilmente construída, que expande os horizontes das artes e relaciona literatura e música de uma forma simples e quase completa. Além do livro, um filme foi lançado, porém o enredo sofreu mudanças drásticas que tiraram parte do brilho e da essência do original.

Uma curiosidade sobre o Hotel California é que a capa do disco mostra uma imagem do Beverly Hills Hotel, enquanto a música parece fazer referência ao Camarillo State Mental Hospital, um sanatório próximo a Los Angeles.

Por Alexandre Romansine
Análise: O Iluminado + Hotel California Análise: O Iluminado + Hotel California Reviewed by Alexandre on 14:31 Rating: 5

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