Natanas: uma aula de Black Metal em 2015

O Black Metal é um dos poucos estilos que vem expandindo seus horizontes continuamente desde a década de 1980. Superou a estagnação do Power, a série de reboots do Heavy e foi agregando novos e velhos sons ao que compreendemos como o gênero é atualmente.

Como fã de BM, costumo procurar o máximo possível de coisas interessantes e inovadoras com as tags relacionadas, e ultimamente tenho tido boas surpresas. Meu último tiro no escuro foi o Natanas, uma one-man band americana bastante recente. As tags relacionadas em diversos sites incluíam Black/Doom, Ambient BM, Black/Synth e DSBM, então resolvi arriscar depois de alguns meses praticamente sem ouvir música.

Já que era pra arriscar, resolvi escutar os discos lançados em 2015, todos os sete. Só assim eu consegui compreender a falta de informações coesas sobre a banda. Dentro de um mesmo álbum temos músicas de diferentes vertentes do metal negro, e até alguns estilos muito fora dele, como alguns subgêneros undergrounds de eletrônica, com foco no instrumental e muita capirotagem acústica, sem falar no vocal doentio que permeia as faixas. As influências óbvias são a mística de Aleister Crowley, o estilo de gravação ruim com boa produção das bandas de DSBM recentes e temas psicológicos e esotéricos.


Natanas é o projeto de Nathaniel Leveck, um senhor quase chegando aos 40 que não tem histórico musical anterior. Ele toca todos os instrumentos (incluindo o violino) e faz os vocais sozinho, numa cidade de menos de 50km² em Ohio, EUA (EDIT: em contato no Facebook, Nathaniel nos informou que mora no Wyoming, não em Ohio). Além dos sete discos, esse ano também foram lançados seis Splits, sem contar os três fulls e dois EP's do ano passado, quando a banda realmente surgiu. É muito material em pouquíssimo tempo, e muito material bom!

Cmertnost

Lançado originalmente com o nome em russo (Cмертность), logo no começo de Janeiro, o disco começa como um retrato dos primórdios noruegueses do metal: a violência, o estilo de gravação, os vocais embolados e a bateria oca, como se estivesse isolada dos outros instrumentos. Logo na segunda música, Inverted Galilean, as coisas começam a mudar. Ela se inicia com um trecho de um livro de Crowley, e o instrumental parece englobar outros estilos fora do metal.

Ao longo do disco somos apresentados a faixas mais puxadas para o Ambient e DSBM, geralmente guiadas pelo vocal típico do Raw. Ao total são 12 músicas relativamente curtas e as letras parecem variar do satanismo esotérico do final do século XX à misantropia.

Destaques: Inverted Galilean, Past Participle Union e Clothes for the Demon.

Xylophar


Dois meses depois de Cmertnost, Nathaniel lançou esse disco duplo com 19 músicas no total. Os nomes das faixas da primeira parte sugerem um tremendo pessimismo, que é refletido nas faixas como uma influência entre leve e moderada de DSBM. Não consegui as letras (e realmente não sei se existem) para afirmar a temática, mas a profusão de vocalizações sem sentido parece confirmar o desprendimento típico da depressão como temática principal. As últimas faixas do Lado A vão se tornando cada vez mais ambientadas, com instrumental mais sujo, onde se torna cada vez mais difícil compreender os instrumentos de forma isolada.

O segundo disco alivia a atmosfera opressiva apenas o suficiente para incluir toques de progressão, ainda que a aura do Doom permeie as músicas continuamente. Novamente não consegui as letras, mas a temática parece ligeiramente diferente, se considerarmos o instrumental como base.

Apesar de pertencerem à mesma obra, o Lado B é muito mais versátil, passando ligeiramente pelo Synth e Prog, Black/Doom e DSBM sem perder coesão. Xylophar é o disco mais longo dos sete e, apesar de cansativo, não é uma perda de espaço com repetições desnecessárias.

A versão digital possui quatro faixas bônus: os Singles Out Here Beneath The Stars e Despair Has A Taste.

Destaques: You'll Only Be Happy When You Die, Thirty Nine Coins, Out Here Beneath the Stars (2015 remake) e Entrenched.

Ghirelliam


Com sete faixas, Ghirelliam foi lançado em Abril e, logo de cara, soa diferente dos anteriores. G0, que inicia o disco, é um instrumental que nada lembra as capirotagens ouvidas até agora, é basicamente um sintetizador sobre uma base pseudo eletrônica feita com simplicidade na guitarra. A sequência parte para o Ambient/Doom com toques quase acústicos que são muito bonitos, mesmo se distanciando do melhor que o estilo pode oferecer.

Apesar da mudança óbvia no instrumental, os vocais permanecem bem próximos do material anterior, o que diminui consideravelmente o potencial do disco. Não se sabe se a tentativa era de um disco de DSBM, Black/Doom ou algo novo, a experiência fica comprometida somente por isso.

Destaques: G0 e G6.

Chæphron


No terceiro mês seguido de lançamentos, cinco músicas novas, longas, downtempo e intensas. A bateria tem um papel fundamental no álbum, delimitando a velocidade das faixas e criando a intensidade que o resto dos instrumentos não consegue proporcionar de forma clara. A mixagem ficou um pouco estranha, mesmo em 320kbps, deixando o áudio cheio de ruídos e uma diferença grande entre os volumes dos instrumentos. Se foi intencional, não sei dizer, mas não chega a atrapalhar a experiência.

O vocal teve um claro tratamento, puxando ligeiramente mais pro harsh. Em Pay to the Bearer o ritmo acelera e se distancia do Black Metal, dando novamente a impressão de que todos os discos da banda criam essa antítese entre estilos.

Destaque: In the Midst.

Dhuuvräl


Ainda em maio, mais um disco de poucas músicas. fucked inicia a obra de forma bem objetiva, numa pegada Ambient bem melhor do que a banda apresentou nos discos anteriores. O ritmo é lento, os vocais tem pouca participação e não fazem falta, os acordes vão se desdobrando pouco a pouco em melodias que dizem pouco, mas transmitem a aura de misticismo necessária.

Em questões de atmosfera, o disco supera muitos clássicos do Doom e do próprio Ambient BM, principalmente pela simplicidade e minimalismo das faixas, que poucas vezes mostram algo completo.

Destaques: O disco todo.

Trill Remonstrance


Voltando ao BM cru e sujo, Fuck the World parece voltar com os temas misantropos e com uma pegada mais Raw, apesar do instrumental ainda ser bastante identificável e melodioso. Em alguns momentos é DSBM puro, como na faixa A Lie in Someone Else's Head, e essa violência reforça a ideia de uma temática odiosa num nível doentio.

Destaques: Fuck the World e Pinned by Knees.

Entropic

Último disco "de estúdio" lançado esse ano, até o momento, Entropic conta com uma suave melhoria na produção, sem perder ou modificar as características musicais: vocal ininteligível, ruído de fundo intermitente, destaque (geralmente) para a guitarra e outros detalhes.

A maioria das faixas é bem longa e por vezes repetitiva, o que contrasta com os outros discos analisados aqui. A versão digital traz quatro faixas bônus inéditas, com quase quarenta minutos extras de música.

Destaques: Every Night They Find Me e Limbic Seizure.

As capas são um destaque ímpar na discografia. Belas e recheadas de significados, se encaixam perfeitamente nas diferentes atmosferas propostas por Nathaniel, que definitivamente possui uma criatividade incansável. Em resumo, a banda varia bastante entre o Black e o Doom Metal, buscando influências vanguardistas nos mais variados estilos, criando uma sonoridade incomparável a qualquer banda que eu conheça.

Todos os discos foram disponibilizados gratuitamente no Bandcamp e demais informações podem ser encontradas no site oficial.

Por Alexandre Romansine
Natanas: uma aula de Black Metal em 2015 Natanas: uma aula de Black Metal em 2015 Reviewed by Alexandre on 21:22 Rating: 5

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