Indonésia: Revolução, música e drogas no arquipélago

"O carioca Marco Archer Cardoso Moreira viveu 17 anos em Ipanema, 25 traficando drogas pelo mundo e 11 em cadeias da Indonésia, até morrer fuzilado, aos 53, neste sábado (17), por sentença da Justiça deste país muçulmano."

Esse possivelmente foi o primeiro contato de muitos brasileiros com a realidade política da Indonésia, que viveu décadas de regimes autoritários e repressão em massa. Para termos uma noção, em 1965 houve uma revolução de caráter social no país que culminou na morte de mais de 500.000 pessoas e na eliminação do Partido Comunista Indonésio. A partir daí, o arquipélago viveu os próximos trinta e um anos sob comando do presidente Suharto, num governo extremamente repressor e militarista.

Suharto, em 1993.

Utilizando uma estratégia de medo e paranoia, a chamada "Nova Ordem", Suharto manteve o controle político do país sob rédea curta até o início dos anos 1990, quando uma série de protestos se espalhou. Em 1998 o país viveu uma grande revolução que depôs o presidente e iniciou uma era de reformas, com uma política voltada para o liberalismo, exaltação da democracia e uma expansão em larga escala do Islamismo no país¹. Desde então a Indonésia sobreviveu a quatro mandatos presidenciais, com diferentes posturas liberais, mas sempre se encaixando no mesmo modelo do 'terceiro mundo': população pobre, predominantemente jovem, vivendo sob uma economia pouco estável.

Ok, tivemos um resumo de história, mas... e a música?

Um dos traços mais marcantes da sociedade em questão é a população jovem, que só recentemente teve acesso a outras culturas e costumes, com destaque para a música. Nos anos 1990 a Indonésia já era um dos pontos na Ásia que atraía bandas grandes, como o Sepultura em 1992 e Metallica em 1993, o que contribuiu para um verdadeiro levante do metal no país.

Sepultura, 1992, em Jakarta.

O acesso precário aos instrumentos e aos aparelhos de gravação formaram uma cultura underground alimentada por bandas extremas, lo-fi, que tratavam da realidade local em suas letras. A combinação de materiais passados de mão em mão, com uma identidade nacional forte e atraente ao público jovem foi a fagulha para o boom do metal/punk na região, que detém o recorde de bandas de Death Metal em relação ao número total de bandas, ultrapassando os 56%, segundo dados da Encyclopaedia Metallum.

Esse boom ocorreu principalmente a partir de 1997 em diversas regiões do país, com bandas dos mais diversos estilos, do Melodeath/Metalcore do Infamy ao Death extremo do Siksa Kubur.

Nesse ponto temos um aparente conflito de ideias: um grupo grande de habitantes do país é muçulmano, mas ao mesmo tempo que se veste com camisas de bandas e participam de grandes shows exibindo suas tatuagens e cabelos compridos. Essa "onda rebelde" que transformou o país acabou interferindo na forma de exercício das religiões localmente. É através do metal e de outros gêneros que se espalharam por lá que as mensagens políticas e religiosas da nova geração se expandem e atingem seu objetivo: a informação.

Talvez pela proximidade com a cultura hindu, o Islamismo na Indonésia se espalhou numa corrente moderada, que foge de extremismos e atinge um público bastante liberal, o mesmo ocorrendo no lado político, como visto no resultado das últimas eleições presidenciais em que Joko Widodo, um declarado fã da música extrema, foi eleito democraticamente.

Jokowi, como é conhecido o presidente da Indonésia, em primeiro plano. Fonte: deathmetal.org

A questão religiosa é discutida por uma parcela menor de bandas, mas nem por isso é deixada de lado. Passando por inúmeros grupos de Death Metal e até de Black Metal, o melhor retrato de uma liberdade de fé é encontrado na banda Restless, um sexteto de Gothic Metal que compõe as letras de suas canções no idioma local.

Joko, em sua candidatura, prometeu ser mais firme no combate às drogas no país, um problema de saúde pública que atinge níveis alarmantes de preocupação. Parte desse problema se deve ao já citado modelo de 'terceiro mundo' em que o país se encontra, que incentiva o tráfico internacional e arromba as portas da fraca política inibitória dos últimos tempos.

O foco da mídia nas políticas extremas adotadas para tentar controlar a espiral descendente do país faz com que pouca atenção seja direcionada para como algumas bandas locais ajudam a combater o aparecimento de novos viciados e promovem a recuperação de alguns destes.

Metade da população da capital, Jakarta, tem menos de 20 anos e é comum  que esses jovens conheçam amigos viciados, usuários sazonais e coisas do tipo. O aumento no consumo de drogas, especialmente as injetáveis, fez com que as contaminações por HIV entre a população jovem também disparasse². Por isso, grupos independentes produzem um ativismo de bairro, buscando conscientizar amigos e parentes dos problemas e sugerindo soluções através do som que fazem, criando novas bandas ou tirando outros jovens das drogas através de apresentações locais.

Entre grupos recentes e outros mais antigos, vemos críticas sociais mascaradas por músicas de extrema violência, como fazem o Bruten e o Aftersundown, ambas tocando Grindcore. Outras bandas, como o Divine, versam abertamente sobre a posição da Indonésia no cenário regional, por exemplo.

Seringai, ícones do metal indonésio.

Ainda assim, trata-se de uma série de ações pequenas, criadas e mantidas por grupos isolados, que tem poucos resultados. O interessante nessa questão é o apoio que Widodo recebe dos jovens do país, em especial metalheads, que lutam pelos mesmos motivos que o presidente.

Seringai é uma das bandas mais influentes da região, ativa a mais de uma década, e um dos pilares para a geração mais nova buscar motivação através da música. Aos poucos, um passo de cada vez, a própria população vem tentando mudar o estado de inércia obtido pelo arquipélago na metade do século XX, pela música, religião e pelo ideal do exercício amplo da democracia, enfrentando a ameaça da corrupção de frente. Ainda que pouco conhecido, esse exemplo de luta deve se espalhar e atingir novos continentes. É uma luta dos jovens em busca de um futuro melhor para si e para as próximas gerações.

¹ http://www.csmonitor.com/World/Security-Watch/Backchannels/2013/0409/Heavy-metal-Islamist-politics-and-democracy-in-Indonesia

² http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?v=35&c=id&l=pt

Por Alexandre Romansine
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